Juíza extingue ação em que médicos de Cuiabá cobravam hora extra por plantão 4j1g2x
A juíza da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Popular, Célia Regina Vidotti, julgou extinto com o julgamento de mérito uma ação civil pública na qual o Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindimed) requeria o pagamento de horas extras

A juíza da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Popular, Célia Regina Vidotti, julgou extinto com o julgamento de mérito uma ação civil pública na qual o Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindimed) requeria o pagamento de horas extras aos médicos da Prefeitura de Cuiabá.
Conforme narrado nos autos, o artigo 24, da Lei Complementar Municipal nº 200/2009, a carga horária dos médicos é de 20 horas semanais, sendo que a jornada de trabalho é organizada em plantões de 12 horas e cada um dos profissionais cumpre, normalmente, dois plantões por semana, perfazendo 24 horas semanais laboradas.
De acordo com a categoria, essa jornada de trabalho foi organizada desde o mês de março de 2015. Assim, a cada semana havia uma jornada extraordinária de quatro horas que não está sendo remunerada, o que seria uma ilegalidade.
Isso porque o direito à remuneração pelo serviço extraordinário está previsto no Estatuto do Servidor Público Municipal regido no artigo 71 da lei complementar municipal 93/2003 que estabelece o plano de carreira, cargos e vencimentos da classe médica da Secretaria Municipal de Saúde.
Diante da falta de pagamento as quatro horas semanais acrescentadas na prestação dos serviços, o sindicato dos médicos alegou a existência de grave lesão e cobrou a expedição de uma liminar para obrigar o município a efetuar o pagamento das horas extras na mesma data em que são pagos os salários e sem atrasos.
Na contestação, a Procuradoria Geral do Município alegou que os fatos narrados não seriam reais, pois o sindicato fez uma única solicitação para o pagamento de horas extras a apenas trinta e seis médicos servidores municipais. Além disso, ressaltou que o município está pagando normalmente as horas extras daqueles servidores médicos que efetivamente exerceram atividade extraordinária, não ocorrendo nenhuma supressão ilegal.
Para rejeitar a ação extingui-la com julgamento de mérito, a magistrada ressaltou que não havia provas nos autos apontando que todos os médicos trabalham por dois plantões semanais.
“O contexto delineado não aponta elementos que, seguramente, revelam que todos os profissionais médicos do Município de Cuiabá trabalham, efetivamente, durante dois plantões por semana, cada um com jornada de doze (12) horas. Isso evidencia que irregularidades no cômputo das horas extraordinárias e respectivos pagamentos podem ocorrer, mas são situações pontuais, iveis de serem dirimidas individualmente (...) Não se pode presumir, pelo simples fato de o nome do médico constar em escalas de plantão semanal de doze (12) horas – de caráter informativo – que este profissional, efetivamente, cumpriu a jornada estabelecida e tem direito ao pagamento de hora extra”, diz trecho da decisão.
Íntegra da decisão:
Trata-se de Ação Civil Pública com pedido liminar, ajuizada pelo Sindicato dos Médicos do Estado de Mato Grosso, por seu representante, em face do Município de Cuiabá, objetivando compeli-lo a efetuar o pagamento das horas extras trabalhadas pelos médicos representados pela entidade requerente.
Alega, em síntese, que conforme dispõe o artigo 24, da Lei Complementar Municipal nº 200/2009, a carga horária dos médicos é de 20 horas semanais, sendo que a jornada de trabalho é organizada em plantões de 12 horas e cada um dos profissionais cumpre, normalmente, dois plantões por semana, perfazendo 24 horas semanais laboradas.
Assevera que esta jornada de trabalho foi organizada desde o mês de março de 2015, de forma que a cada semana há uma jornada extraordinária de quatro horas, que não está sendo remunerada.
Aduz que o direito à remuneração pelo serviço extraordinário está previsto no artigo 71, da Lei Complementar Municipal 93/2003 (Estatuto do Servidor Público Municipal), que é compatível com Lei Complementar Municipal nº 200/2009, que estabelece o plano de carreira, cargos e vencimentos da Classe Médica da Secretária Municipal de Saúde.
Alega a existência de grave lesão aos representados pelo requerente diante da falta de remuneração pelo serviço extraordinário, e pleiteia pela concessão de liminar para obrigar o requerido a efetuar o pagamento das horas extras na mesma data em que são pagos os salários e sem atrasos nos pagamentos.
Ao final, pleiteou pela confirmação da medida de urgência, bem como pela condenação do requerido aos pagamentos de custas e honorários advocatícios.
O requerido foi intimado, nos termos do §2º, da Lei nº 8.437/1992, e apresentou manifestação pelo indeferimento do pedido liminar.
O pedido de antecipação de tutela foi indeferido, bem como foi determinada a citação do requerido.
O requerido, por seu procurador, apresentou contestação, alegando, em síntese, que os fatos narrados na inicial são retratam a realidade, pois o sindicato requerente fez uma única solicitação para o pagamento de horas extras a apenas trinta e seis médicos servidores municipais e, salvo alguns problemas pontuais, está pagando normalmente as horas extras daqueles servidores médicos que efetivamente exerceram atividade extraordinária, não ocorrendo nenhuma supressão ilegal.
Aduziu que os pagamentos das horas extras não foram suspensos pelo Município de Cuiabá, sendo que aqueles que efetivamente trabalharam, receberam a remuneração correspondente.
Salienta que a comprovação do cumprimento da hora extra é feita mediante registro de ponto eletrônico, portanto, aqueles servidores que não excederam a jornada regular de trabalho conforme registro de ponto, não fazem jus ao recebimento da hora extra, portanto, não há dever por parte do requerido de efetuar o pagamento do referido adicional, como ocorreu com o servidor mencionado na inicial, dado como exemplo pelo sindicato requerente. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos.
O Sindicato requerente, por seu patrono, apresentou impugnação à contestação, pleiteando pela reconsideração do pedido liminar, bem como pela procedência dos pedidos iniciais.
Instados a manifestar, o representante ministerial alegou que o direito pleiteado nessa ação é puramente patrimonial, não sendo justificável a intervenção ministerial, nos termos do art. 127 e 129 da CF.
É o relatório.
Decido.
Trata-se de Ação Civil Pública com pedido liminar, ajuizada pelo Sindicato dos Médicos do Estado de Mato Grosso, por seu representante, em face do Município de Cuiabá, objetivando compelir o requerido a efetuar o pagamento das horas extras dos profissionais médicos representados pela entidade requerente, uma vez que as escalas de plantão teriam sido organizadas em quantidade de horas superior a jornada de trabalho semanal.
Nos termos do art. 335, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, convenço-me de que é possível o julgamento antecipado da lide, sendo desnecessária a produção de outras provas, pois suficiente a prova documental acostada aos autos.
Importante consignar que embora na nova sistemática do Código de Processo Civil a prova não tem mais a única função de influir na convicção do Juiz, e ela é destinada a todos que poderão usá-la, ainda incumbe ao Juiz que conduz o feito analisar a necessidade ou não da produção de provas, a teor do que estabelece o art. 370, do Código de Processo Civil. Assim, o Magistrado que preside a causa tem o dever de evitar a coleta de prova que se mostre inútil à solução do litígio ou aquela meramente protelatória.
Analisando os autos, verifico que a pretensão, como deduzida pelo requerente, não merece prosperar.
O sindicato requerente afirma que a carga horária dos profissionais médicos do Município de Cuiabá é de vinte (20) horas semanais, de acordo com o art. 24, da Lei Complementar Municipal n.º 200/2009. Contudo, as escalas de trabalho foram organizadas em plantões de 12 horas semanais, de modo que cada médico, executando normalmente dois plantões por semana, perfaz 24 horas semanais laboradas, havendo, assim, direito a percepção de vantagem pelas horas extras trabalhadas.
Para fundamentar sua pretensão, o requerente trouxe, com a inicial, cópias de algumas tabelas contendo as escalas de plantões dos médicos nas unidades de saúde municipais e, a partir da simples anotação nessa tabela, entende que é devido ao profissional o pagamento da hora extra.
Ocorre que esta anotação ou a escala de plantão, por si só, não é suficiente para comprovar o efetivo cumprimento de jornada de trabalho extraordinária, ou seja, que o médico se apresentou ao trabalho no dia escalado e ali permaneceu durante toda a jornada determinada.
Isto porque essas escalas de plantão tem apenas caráter informativo, tanto que são afixadas nas unidades de saúde com a finalidade de divulgar quais médicos irão trabalhar naquele dia e em qual período. O efetivo labor durante todo o período da escala de plantão deve ser comprovado por meio do registro de ponto adotado pelo requerido, no caso, o ponto eletrônico.
Na contestação, o requerido rebate os argumentos iniciais, afirmando que está efetuando o pagamento das horas extraordinárias regularmente, para os médicos que efetivamente as prestaram. Reconhece a existência de falhas pontuais, em determinado mês e em relação a determinado profissional, o que é possível ser esclarecido e regularizado, se for o caso, em cada situação. Assim, o simples fato de constar em uma escala de plantão, não dá direito ao profissional em receber pela jornada extraordinária se ela não for efetivamente cumprida, ou seja, se não for computada, no registro de ponto, quantidade de horas trabalhadas que ultraam a jornada de trabalho definida para a classe.
A toda evidência, para que seja reconhecido o direito a receber por horas extraordinárias, é necessário que se comprove a efetiva prestação do serviço extraordinário, o que não ocorreu no presente caso, pois a prova trazida não foi suficiente para evidenciar que a sobrejornada é usual e atinge, indistintamente, todos os profissionais médicos do Município de Cuiabá.
O contexto delineado não aponta elementos que, seguramente, revelam que todos os profissionais médicos do Município de Cuiabá trabalham, efetivamente, durante dois plantões por semana, cada um com jornada de doze (12) horas. Isso evidencia que irregularidades no cômputo das horas extraordinárias e respectivos pagamentos podem ocorrer, mas são situações pontuais, iveis de serem dirimidas individualmente.
Não se pode presumir, pelo simples fato de o nome do médico constar em escalas de plantão semanal de doze (12) horas – de caráter informativo – que este profissional, efetivamente, cumpriu a jornada estabelecida e tem direito ao pagamento de hora extra.
Na própria inicial, o requerente usa casos pontuais como se fossem generalizados, ou seja, como se o requerido não estivesse efetuando o pagamento de hora extra a nenhum dos médicos, ainda que comprovado o cumprimento efetivo de jornada de trabalho extraordinária.
Também resta evidente que não se trata de simples cálculo de horas trabalhadas, como deduzido na inicial, possibilitando aferir o quantum debeatur de cada profissional em liquidação. No caso em comento, imperioso que se tivesse demonstrado o fato constitutivo do direito que, sem dúvida, implica em comprovar a efetiva prestação do serviço extraordinário.
Nesse sentido:
“Apelação. Servidor público. Auditor fiscal. Regime de plantão. Hora extra. Garantia prevista na CF/88. Ausência de comprovação do efetivo serviço prestado. Ônus do autor. 1. O art. 7º, XVI, da CR, aplicável aos servidores públicos estatutários por força do art. 39, § 3º também da Carta Constitucional, assegura a remuneração de serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% do valor da hora normal.
2. O servidor público, em especial o que exerce cargo de auditor-fiscal, quando trabalham em regime de plantão e escalas sem que haja compensação de horas ou folga compensatória, faz jus à remuneração pela sobrejornada. 3. Para o reconhecimento do direito às horas extras é imperioso que se demonstre a efetiva prestação do trabalho extrajornada. 4. Recurso não provido”.
(TJ/RO. Apelação 00239543520138220001. Relator Des. Gilberto Barbosa. 1ª Câmara Especial. Data da Publicação 28/10/2015).
“APELAÇÃO - ISTRATIVO - SERVIDOR MUNICIPAL - HORA-EXTRA: PAGAMENTO COMPROVADO. 1. A Constituição assegura ao servidor público o direito ao pagamento das horas extras trabalhadas, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) superior à hora normal. Contudo, o serviço extraordinário imprescinde de comprovação pelos servidores. 2. Comprovado o pagamento das horas-extras pleiteadas, o pedido deve ser julgado improcedente”.
(TJ/MG. AC 10620080938514001. Relator: Des. Oliveira Firmo. 7ª Câmara Cível. Data de Julgamento 01/10/2013).
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA -SERVIDOR MUNICIPAL - HORAS EXTRAS - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - IMPOSSIBILIDADE - ARTIGO333, I, DO C - AUSÊNCIA DE PROVAS - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - SENTENÇA MANTIDA. Em observância à repartição do ônus probandi prevista no art. 333 do C, em ação que busca o recebimento de horas extras, incumbe ao autor provar o fato constitutivo de seu direito, e ao réu a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão autoral. Deve ser confirmada a sentença que julga improcedente o pedido inicial que visa o recebimento de jornada extraordinária, quando inexistem provas suficientes para demonstrar o alegado”.
(TJ/MG. AC 10091110006227001MG. Relator: Afrânio Vilela. 2ª Câmara Cível. Data de Julgamento: 01/11/2013).
Ademais, conforme documentos juntados pelo requerido, verifica-se que foi implementado o sistema de ponto digital, de modo que, via de regra, a jornada de trabalho deve ser registrada por meio desse sistema. No caso de eventual indisponibilidade ou inconsistência desse sistema, a jornada de trabalho deve ser registrada de outro modo, de acordo com a normativa que disciplina a questão e a critério do requerido, de modo a possibilitar que seja comprovado o efetivo labor de cada médico e, se faz jus ou não a percepção de remuneração por jornada extraordinária.
O requerente alega, de forma genérica, que o sistema de ponto digital é falho, mas não aponta qual seria essa falha, tampouco quando ou de que forma ela teria ocorrido e que não teria sido sanada, ainda que em meses posteriores.
O requerido, em sua contestação, também fez juntar documentos que comprovam o pagamento de horas extras a alguns profissionais médicos – os que de fato faziam jus a essa remuneração – demonstrando que possui controle de horas extras e está efetuando os pagamentos.
Destarte, em suma, não se verifica que o requerido tenha agido de modo a violar o direito de uma categoria, suprimindo o pagamento das horas extras mesmo daqueles profissionais médicos que efetivamente trabalharam, como alegado na inicial e que justificaria a busca da tutela jurisdicional por meio de ação coletiva.
Diante do exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, e julgo extinto o processo, com julgamento de mérito, com fulcro no art. 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil.
Sem custas e honorários, uma vez que não verificada a hipótese prevista no art. 17, da Lei n.º 7.347/85.
Transitada em julgado, expeça-se o necessário e não havendo pendências, arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Cumpra-se.
Cuiabá-MT, 31 de agosto de 2016.
Celia Regina Vidotti
Juíza de Direito
Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular
Colniza Notícias/Folha Max
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