Criada por mulheres há milênios, dança do ventre quebra preconceitos 284p39
Clara Azevedo pratica dança do ventre que surgiu como performance religiosa e ritualística

Como uma linguagem gestual e relacionada aos rituais femininos de fertilidade, ciclos da lua e ao sangramento mensal das mulheres, a dança do ventre surgiu como performance religiosa e ritualística. Foi imersa em várias culturas, mas, em essência, os movimentos são relacionados à fertilidade, empoderamento e transformação, assim como, os arquétipos da serpente.
No Egito é praticada como forma de reverenciar os deuses, já na Índia junto com rituais tântricos. Os árabes utilizam como entretenimento dos sultões e em rituais de casamento e fertilidade.
Na África se agregou aos movimentos dos quadris maiores possibilidades de ritmos, com tambores e a pulsação. As variações são muitas, mas o que não se tem dúvidas, é de que é a dança mais antiga, praticada e criada, por mulheres na história da humanidade.
Clara Azevedo é dançarina do ventre há 23 anos e diz que não foi difícil se apaixonar por este universo de mulheres fortes. Sua maior influência artística é Jade El Jabelm, bailarina brasileira reconhecida internacionalmente pela sua dança.
Apesar disso, diz que muitas bailarinas com quem já estudou e trabalhou em Mato Grosso contribuíram para suas inspirações na dança. Relata que, em 2002, ou na seleção da Khan el Khalili em São Paulo, referência na dança do Ventre do Brasil nesta época. "Foi o primeiro amor na minha carreira e, a partir deste momento, comecei trabalhar profissionalmente como professora de dança".
Clara então trabalhou na Escola de artes da UFMT e no Sesc por 9 anos, além de outras escolas de dança da cidade. Hoje é dona do Estúdio Claz e dá aulas na Casa Cuiabana. Para Clara, o espetáculo Raksa Feita de Arte e Memória, que foi produzido por ela e teve o apoio da secretaria de Cultura em 2008, é um marco em sua história.
Ele foi o primeiro e ainda o único espetáculo de dança do Ventre aprovado por lei de incentivo a Cultura no Estado. “Fizemos oito apresentações e é muito gratificante proporcionar o a arte para pessoas que nunca tinham visto dança do Ventre, além dessa, outra apresentação marcante foi o convite para estar no Show dos Campeões no Festival Shimmie em São Paulo, um dos festivais mais relevantes no país. Neste festival também já estive como professora e como jurada”, conta.
A professora de bellydance ainda acredita que a dança tem o poder de tornar as pessoas mais inteiras, pois acolhe qualquer pessoa. “Existe muitos preconceitos em relação à dança do ventre, mas isto tem mudado, inclusive aqui", pondera. Ela avalia ainda que, em Mato Grosso, as pessoas estão demonstrando maior interesse pela prática. Argumenta que, através da informação, é possível mostrar o significado da prática e como ela transforma e empodera as mulheres.
No início de sua composição, os movimentos de contração, ondulação e vibração foram pensados pelas mulheres e, para as mulheres, com a intenção de aliviar dores menstruais e preparar os músculos para a sustentação da gestação e o trabalho de parto. Em algumas culturas, parte de celebrações a Deusa Mãe (natureza) que relaciona o ventre feminino a terra.
Para a professora de dança, que atua no Espaço Ambar, a cuiabana Raquel Mendes, a atração pela cultura árabe era forte desde sua adolescência, em especial, pelas músicas e danças. Mas foi em 2004 que iniciou seus estudos com aulas regulares na Capital de São Paulo. “Conheci dois estúdios antes de me decidir pela escola Luxor, onde me matriculei e aprendi os primeiros os. Sempre gostei de dança e na infância pratiquei quatro anos de jazz. Depois de conhecer a do ventre, acabei me afinando ao estilo egípcio”, ressaltou.
Entre as maiores influências de Raquel estão os coreógrafos e dançarinos, Randa Kamel, Mohamed Shahin, Soraia Zaied, Jade El Jabel, Nur, Elis Pinheiro e outros.
Para ela, o orientalismo contribui para o olhar estereotipado da dança como exótica e sexual, mas também tem seu lado positivo. “É uma dança bela, leve e marcante ao mesmo tempo, dá a sensualidade sim, mas como algo natural, do onírico, da consciência corporal e muitos outros adjetivos", pondera.
A dançarina entende que, de forma geral, embora também coexistam alguns mitos, como estigmas quanto à sedução e sexualização, os brasileiros gostam da dança. "Penso que essas visões distorcidas poderão mudar, assim como o próprio mercado da dança e seu processo de profissionalização, que é recente”, frisa.
Segundo Raquel, a procura pela dança é boa e atrai pessoas que de início, em sua grande maioria, buscam qualidade de vida. Diz que a modalidade é uma excelente ferramenta para trabalhar o ser humano de forma mais integral, pois atua tanto no corpo físico como postura, flexibilidade, tônus muscular, quanto em nível de saúde mental e, com isso, alivia o estresse e é um aliado no combate à depressão e ao autoconhecimento, além de aflorar a feminilidade.
Para ela, o incentivo a este tipo de arte, inclusive o público e de políticas públicas, predominam festivais e eventos autônomos, organizados por artistas que também são empreendedores e têm a coragem de arriscar de forma independente. “Nos editais para financiamento de projetos, a dança se insere no segmento de artes cênicas de forma bastante tímida, com poucos recursos e, em Mato Grosso, valoriza-se bastante a cultura regional, o que diminui ainda mais a possibilidade de um projeto com tema dança oriental se lograr êxito”.
Em relação ao mercado de trabalho, também sente desvalorização da dança do ventre, que aos olhos de muitos é uma dança fácil, que não exige formação densa. “Nem por isso deixamos de lutar para ocupar o espaço que merecemos”.
Fonte: RD News
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